23 de outubro de 2020

Dona Pequena, Parte I

Escondido detrás de uma pilha de processos, ante uma tela de computador, detido nas frias e mortas letras da Lei ouço um grito parecido com um disparo de um rifle. Dona Pequena, formosa dama das artes da limpeza ataca aos quatro ventos uma revolta: "- Quem gosta de pau mole é serrote cego!" É que Dona Pequena está agora na minha frente, embasbacada com uma proposta indecente que ela recebeu do outro lado do prédio em que estamos - trepar de graça. "De graça eu não dou minha buceta nem pra ti, que sei que tem um pau grosso e vai me comer de quatro". Mais impressionado ainda eu fico, porque não a conheço além do nome, é meu primeio dia de trabalho.
Estamos nós dois numa sala reservada e ela dispara novamente. - Doutor, eu sei que o senhor está ocupado, mas essa eu tenho de lhe contar. Trabalho fazendo faxina na casa de todo mundo nessa White Watter, mas eu nunca ouvi um descaramento desses. Ainda agora um filho da puta que me paga uma miséria por um lavado, feio que nem buceta de porca parida e mais fedorento que suspiro de fossa, teve a cara de pau de me dizer que se um fizesse um "bolo frito" nele ia me dar cinco conto à mais pela varrida na casa!
Continuo olhando para Dona Pequena, estupefato. Eu só sabia dela as virtudes de diarista, requisitada num raio de cem quilômetros e com ânimo o bastante para lustrar até a Ponte Metálica se tivesse bombril suficiente. Mas não tinha conhecimento das virtudes de amante insuspeita, nas casas que lhe confiam as chaves das mais secretas intimidades, numa cidadezinha no interior do Piauí. Não movo os olhos daquela mulher de metro e meio de altura, com a pele limpa e os cabelos pretos apesar dos cinquenta anos de ingratidão da vida. Dona Pequena, vendo que eu permaneço atento, empurra as pilhas de processos da mesa, puxa uma cadeira e diz: - O senhor precisa saber de uma história.
- Tem mais de quarenta anos que eu trabalho na casa dos outros, nunca peguei um centavo de ninguém. Tem mais de quarenta anos que lavo prato, passo roupa, lavo chão, limpo bunda de velha prostrada, mas nunca deixei minhas filhas se prostituirem, nem deixei faltar dinheiro pro estudo delas. Mas se o senhor quiser me ver mais peidada que calcinha de vaca é só me aparece alguém dizendo que quer comer meu priquito de graça. Se ele aumentar o preço da faxina eu melhoro o serviço, mas se jogar a pilheria de aumentar mais cinco conto pra colocar meu tabaco de gorjeta eu só até capaz de matar.
- Dona Pequena - digo eu - a senhora só faz sexo se lhe pagarem? - Interrogo.
- Eu só dou esse priquito pagando, e se eu me engraçar do sujeito. Porque sei que homem tá difícil no mercado, mas eu sei onde achar o produto. Pra cada rola dessa cidade tem vinte buceta caindo atrás. Mas atrás desse priquito tem muito mais rola do que o senhor imagina - Desabafa.
Ela precisava desabafar, pelo que pude entender. Pede desculpas pela leve intromissão na minha rotina atarefada e diz: - desculpa aí, doutor, mas depois a gente conversa mais. Não vou lhe atrapalhar não. Só me faça o favor de escrever bem aqui nesse papel o seu nome, que ainda não aprendi a falar direito - Bate a porta e escuto um novo grito.
-Olha aqui velho safado, o único tabaco que tu viu de graça foi o da tua mãe filho da puta - Grita ao homem do outro lado do prédio. - Quem quiser priquito de graça que plante um pé!